Miguel Batista, o construtor de imagens
“Agradecemos o cinema
Pelos franceses inventados
Lumiére Louise August
Depois modernizado
Por Thomas Alva Edison
Foi americanizado”
Esse verso do cordel “A Glória do cinema cabe a quem?” relata a necessidade permanente que Miguel Batista possui em dedicar seu tempo, e parte dos pensamentos e estudos, com a improvável função, que ainda exerce, de pedreiro.
Esse homem pouco ou quase nunca é reconhecido pelo trabalho independente interessante que tem desenvolvido no audiovisual, ora por ser desconhecido, ora por preconceito ou simplesmente por falta de fé de quem vê um barbudo com roupas simples afirmando que é cineasta.
Miguel possui um sotaque carregado, que nada lembro os diretores consagrados do cinema paulista ou carioca. Ele aprendeu e estuda idiomas sozinho, fala fluentemente espanhol e esperanto, e criou até um alfabeto e idioma próprio, que batizou de Juusmantes, além de um dialeto chamado Cearamanta, mistura de tupi com português.
Em sua casa é possível encontrar livros em inglês, romeno, italiano, tupi-guarani, guarani, papiamento (soma de holandês, espanhol e criolo), alemão, francês, latim e sânscrito.
Um pedreiro na terceira idade, de baixa renda, pagante de aluguel, enfrenta todas as dificuldades que o exercício artístico impõe. Ele desiste? Não, pelo contrário. Com talento e bom humor, ele encara a realidade e permanece estudando idiomas, escrevendo e pensando em como realizar novos projetos audiovisuais que colaboram para valorizar a cultura do País.
Tema: BIOGRAFIA
Tags: albañil, cinema_amador, constructor, construtor, jardim_gazuza, miguel_batista, pedreiro, periferia, poliglota
Programa Relacionado: Personagens
FICHA TÉCNICA
País: Brasil
Duração: 16'01"
Diretor: José Luís de Freitas
Produtor: Miguel Batista
Ano: 2010
Formato: HD
Montagem: idem
Som Direto: idem
Fotografia: José Luís de Freitas
Trilha: Banda Poucas Trancas
Prêmios:
Primeiro Lugar na Mostra de Artes de Diadema 2011
Festivais:
Classificado no Festival Internacional de Cinema de Varginha em 2010
Filmografia do
Diretor:
Amor de Paulista - Curta, 2010
Limites da Manhã - Video Art, 2008
Sementes do Lácio - Documentário, 2006
Comentário do
Diretor: Um pedreiro barbudo e de sorriso amigavelmente peculiar possui uma trajetória de vida dificilmente encontrada naqueles que exercem essa profissão. Os calos nas mãos de Miguel Batista dos Santos, 62 anos, não revelam que elas, além de erguer paredes, reformar e construir casas também operam câmeras, escrevem roteiros, versos e livros. O cineasta da construção já possui em seu currículo mais de 15 filmes onde atuou como figurante, ator, câmera e até diretor.
Sua escrita tem influência dos cordéis que ouvia em Limoeiro do Norte, no Ceará, onde viveu até os 25 anos. Até hoje ele mantêm o hábito de confeccionar cordéis de bolso, contendo dez páginas que trazem textos com assuntos históricos, filosóficos, sociais e religiosos, revelando a erudição ocultada por sua aparência de pedreiro.
Miguel, apesar de possuir apenas o ensino médio, é um esforçado autodidata e fala, além do português, esperanto, espanhol e francês. Também escreveu vários livros e conseguiu publicar dois deles: ‘Gazuza’ e ‘Sucata Gente’. Compôs a letra da trilha sonora de ‘Cinema Dilacerado’, um dos seus filmes, e possui mais de 300 escritos poéticos que tratam geralmente de temas sociais e questionam o poder dos governantes, a hipocrisia dos falsos moralistas e os costumes preconceituosos da elite dominante.
Seu interesse pelo cinema começou a partir de um convite: “Um dia, um rapaz, o José, me convidou para participar do curta-metragem ‘Sobreviver’, que conta a historia dos nordestinos da cidade. Eu topei e, depois disso, comecei a fazer vários cursos na área. Hoje, sou ator e diretor”, revela.
Com orgulho e alegria apresenta algumas predileções: “Os filmes que mais gosto são: ‘Pisadas Marcantes’, com o qual ganhei o prêmio, em parceria com o colega Arnaldo Malta, ‘Kruzmanta’, ‘Sobreviver’ e ‘A Mulher e a Flor’.
Na maioria das vezes seus clientes custam a acreditar que Miguel faz cinema: “Alguns pensam que sou louco. Dizem: esse cara, todo sujo, cheio de lama, pensa que é cineasta, mas como é possível ser cineasta e pedreiro? A maioria acredita, porque levo filmes em DVD para assistirem”.
Uma prima sua que mora na Bahia veio visitá-lo depois que mandou alguns dos filmes que produziu, só para conhecer o primo que faz cinema em São Paulo.
Miguel trabalha como pedreiro há mais de 30 anos, desde que saiu de sua cidade: “antes, fui carpinteiro no Pará e guarda noturno no Rio. A profissão ajuda a fazer cinema porque, como autônomo, me acerto nos horários. Às vezes, digo que meu hobby é ser pedreiro, mas não é verdade. Sobrevivo disso”, completa rindo.
Quando pergunto a Miguel se já conseguiu algum retorno financeiro com cinema ele demora um pouco a responder, mas fala sorrindo “tiro do bolso para conseguir gravar. É difícil fazer cinema independente no Brasil. Por enquanto, os filmes só aparecem no circuito de cineclubes, mas quem sabe dá para ir um pouco além. Continuo ganhando a vida mesmo como pedreiro”.
Deixe um comentário
CURTAS RELACIONADOS
Zagati
Um catador de papel apaixonado por cinema que leva para sua comunidade a cultura da sétima...
D.O.R.
Através de depoimentos pessoais, utilizando-se de gestos e sem falas, o tema DOR e racismo é retratado pelos atores da...
Victor Meirelles • Quadros da História
A trajetória do pintor catarinense Victor Meirelles, de Desterro, atual Florianópolis, aos estudos na Academia Nacional de Belas Artes...
Samba no pé
Rony é morador do morro da mangueira, pobre e batalha para levar o pão para os filhos todos os dias...
Arquitetos do mar
Arte tradicional é o lema do povoado de Cajaíba do Sul, vilarejo às margens da baía de Camamu (BA), onde...
Pedra Verde
dia a dia no sertão, construindo poço para combater a...
Acabei de saber que a SESCTV vai exibir o doc na grade de programação. Que bom!
Ótimo conteúdo num excelente canal!
Parabéns Zé
Conheçam o blog do cineclube e com as entrevistas, fotos, e bastidores do Miguel
cinekrusmanta.blogspot.com